Empoderamento Feminino

Elas por Eles – André Coimbra Felix Cardoso

O convidado de nossa coluna Elas por Eles de hoje é André Coimbra Felix Cardoso, professor da UFSCar. Doutor em Administração pela FEA-USP de São Paulo (FEA-USP, 2012), com Tese de doutoramento defendida sobre o tema “O Programa Estratégico Integrado de Gestão para o Desenvolvimento Sustentável”. Possui Mestrado em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, 2005) e Graduação em Ciências da Administração pela mesma instituição (UFSC, 2003). É membro do PROGESA – Programa de Gestão Estratégica Socioambiental da FEA-USP-FIA (PROGESA/FIA). É professor adjunto da UFSCar (Campus Sorocaba), onde leciona as cadeiras de graduação e pós em Gestão Estratégica; Gestão de Pequenas Empresas e Empreendedorismo; Gestão da Sustentabilidade e de Organizações do Terceiro Setor; e Teoria das Organizações. É coordenador dos Programas EcoFEmIS – Ecossistema Feminino de Empreendedorismo e Inovação para a Sustentabilidade e do PEGASUS – Programa de Empreendedorismo e Gestão para a Aceleração da Sustentabilidade, onde desenvolve Cursos de MBA e de curta duração, além de iniciativas como o FUSuE – Festival Universitário de Sustentabilidade e Empreendedorismo. É também Consultor em Gestão Estratégica e Gestão da Sustentabilidade de empresas e organizações do Terceiro Setor.

Fonte da imagem: Arquivo pessoal

Mulher e o Empreendedorismo Heroico

A noção mais comum acerca do conceito de empreendedorismo afirma que uma pessoa se torna empreendedora a partir do momento em que visualiza uma oportunidade, abre um negócio próprio, inovador, do qual advém, então, o sucesso. Sim, esta visão não é incorreta, entretanto, convém acrescentar aqui mais duas noções que darão maior abrangência e profundidade ao conceito. A segunda noção é: empreender é imaginar, desenvolver e realizar visões. Desta forma de entender, a qual incorpora o conceito anterior, mas amplia os seus limites, infere-se que existe um tipo mais discreto de empreender, porém, não menos transformador, nem tampouco menos importante, no qual certa pessoa se torna protagonista da empresa em que atua, criando algo novo; só que isso é feito de forma consciente – e voluntária – de que a empresa em questão não é propriedade sua. Neste ponto do texto, passamos a formular o terceiro e mais importante conceito de empreendedorismo para a atualidade: empreender é ser capaz de sacrifícios, para realizar ou trazer algo novo além do nível normal de realizações. É ser capaz de heroísmo.

Assumindo o fato de que este artigo é escrito especialmente para mulheres empreendedoras, vale dizer o seguinte: num mundo repleto de idiossincrasias masculinas, onde não se tem notícia da existência de tantos ecossistemas femininos de empreendedorismo, naturalmente, sabe-se que empreender é uma tarefa mais árdua para a mulher do que para o homem. O desafio da mulher é sem dúvida maior, porquanto esta tem que harmonizar conflitos entre as diferentes e, às vezes, paradoxais esferas da vida: o espaço do trabalho e o espaço psicológico (ex: preconceito que dificulta ascensão na carreira e, às vezes, falta de ousadia e autoconfiança); conflitos entre demandas familiares e profissionais (ex: maternidade e atenção ao companheiro x trabalho, chefe não compreensivo); conflitos entre demandas do trabalho e pessoais (ex: embelezar-se, ir à academia e cuidar de si sem detrimento do trabalho).

Entretanto, apesar do primeiro tipo de dificuldades subsistirem no mundo psicológico das mulheres; de fato, não há fundamento real para elas. Tanto na história humana como na mitologia há inúmeros exemplos inspiradores de empreendedorismo feminino, aqui definido como heroísmo capaz de sacrifícios, para realizar algo novo além do nível normal de realizações. Nesse sentido, poderíamos elencar e discorrer sobre alguns exemplos, dentre muitos, mas por uma questão de restrição física deste artigo não será possível fazê-lo dessa vez. Cumpre apenas notar que, em nossa cultura, até há pouco tempo, o homem ganhou destaque apenas por causa da ênfase na valorização de um determinado tipo de papel social. O homem empreendia “lá fora”, no mundo, enquanto a mulher empreendia “aqui dentro”, em casa. Todavia, há na mitologia asteca uma imagem que considero maravilhosa, porque inspira novas reflexões e insights: a mãe como heroína autorrealizada. Os astecas dispunham de vários céus, para onde as pessoas iam de acordo com a morte que tivessem, o céu dos guerreiros mortos em batalha (heróis) é o mesmo das mães que morrem em trabalho de parto. Além disso, dar à luz é incontestavelmente uma proeza heroica, pois é abrir mão da própria vida em benefício da vida alheia. É uma longa jornada e a mulher tem de abandonar a segurança conhecida, convencional, da sua vida e assumir o risco. Em sua trajetória, há uma longa jornada a ser empreendida, com muitas provações, ela tem de se transformar de filha em mãe, é uma grande mudança que envolve muitos riscos. E quando retorna da jornada, com a criança, sem qualquer possibilidade de que as coisas voltem a funcionar como antes, ela não só traz alguma coisa nova ao mundo, como arranjou um novo emprego para o resto da vida; ser mãe.
Sem dúvida isso é algo que o homem dificilmente conseguiria fazer: imagine um executivo que voluntariamente suspendesse totalmente a sua carreira profissional por um tempo mesmo que determinado (tipo um ano ou mais) para gestar por 9 meses e se doar completamente nos primeiros meses de vida de uma pessoinha que chega. E fazer tudo isso sem reais garantias de que o emprego o estará aguardando no retorno, em que pese o avanço da legislação quanto à proteção dos direitos femininos, direitos da mãe e da criança, que é quem mais precisa dela. Passar por esse processo, com certeza, seria um grande aprendizado sobre renúncia, sacrifício do egoísmo, para que surgisse algo realmente novo: a vida de um entezinho saudável e feliz. Não é a toa que muitas mães acabam optando por renunciar ao emprego, para poderem criar a sua empresa mesmo dentro de casa, com vistas a não desarmonizarem mais as dimensões trabalho-maternal-familiar. Muitas destas corajosas mulheres – que além de mães (heroínas), tornam-se “empreendedoras” (duplamente heroínas) – certamente, são Rosas preciosas que florescem aqui nesse jardim chamado Empreendedorismo Rosa (ER). Em face de um ambiente repleto de idiossincrasias masculinas, é natural que as mulheres se sintam pouco à vontade, obliteradas, e desistam da carreira de liderança nas empresas ou até mesmo de oportunidades de criar um negócio próprio. Por conseguinte, espaços como esse (o ER) são extremamente necessários, e deveriam receber todo o apoio e incentivo da sociedade. Vou além: muitas mulheres que estão lendo as minhas toscas palavras, na verdade, poderiam perfeitamente estar ensinando executivos sobre temas como o empreendedorismo de heroísmo.

Em um mundo cada vez mais difícil financeiramente, e como esposo de uma médica (que se candidata ao heroísmo da maternidade sem abrir mão de fazer mestrado, doutorado, etc.) percebo o seguinte: mais do que nunca, o homem (eu, que sou o companheiro desta mulher) precisa atuar de modo mais colaborativo se realmente deseja ver o florescimento pleno desta Rosa. Precisa dar suporte, dentre outras tantas coisas, assumindo mais atividades em casa, vendo a mulher como sua professora. Espera-se do homem – do tipo que deseja ser também um herói – o sacrifício em algum grau de sua “vida convencional”. Um tal sacro ofício significa ser um bom dono de casa, antes de tudo, e empreender mais “aqui dentro” para que a sua mulher possa empreender mais “lá fora”. Não há milagre, só sacrifício. O mérito deste herói, por sua vez, não estará mais em conquistas exteriores, mas interiores, como virtudes. Além disso, algo que resulta desta renúncia parcial, que é atenuar um pouco as dificuldades e os conflitos árduos da mulher que são inerentes ao empreendedorismo feminino. Por fim, ver a sua companheira plena e realizada. Por outro lado, seria necessário que o chefe desta esposa fosse também alguém compreensivo, o que nem sempre acontece. Por isso, é necessário que haja uma abordagem sistêmica do problema, e a família precisa ser o núcleo desse trabalho. A mulher, como principal agente dessa transformação, passa a intervir de forma mais consciente nos diferentes pontos do sistema para criar os espaços da mudança.

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